Tome um Vallium antes de ler...

2007/01/15

As Fábulas de La Gardère - A Cegonha e a Formiga

Uma nota preambular. Iniciamos hoje uma nova rubrica no RdA, chamada "As Fábulas de La Gardère". As fábulas, julgadas perdidas durante muito tempo, foram descobertas por um habitante da cidade de La Gardère, acidentalmente, no sotão de uma casa pertencente à família do autor. Os manuscritos foram examinados por um obscuro historiador chamado Fréderique Abramovitch que concluiu, após um trabalho, longo de dez anos, que se tratava de material genuíno.
Foram feitas análises de Carbono 16, 17 e 38-A (um método novo que permite saber a que horas --GMT-- o documento foi escrito) e também Carbono 28 r/c Esq., uma variedade de carbono que a minha vizinha Arlete comercializa, em complemento da sua actividade como cabeleireira e da venda de material da Tupperware.
Foi feita, finalmente, uma análise de conteúdo e de caligrafia.
Tudo isto levou Abramovitch a concluir que as Fábulas de La Gardère eram isso mesmo: as Fábulas de La Gardère. Nem mais, nem menos...
Transcrevemos aqui, desde já, a primeira delas, em tradução livre de um filho da região da Alsace Provençale e fundador do movimento olímpico, Pierre de Coubertin (outras se seguirão a um ritmo impressionante!). Sem mais delongas aqui vai...


A Cegonha e a Formiga

Numa montanha muito grande, coberta de árvores muito frondosas e de musgo muito verde, por onde o regato deambulava, vadio, saltitante e atrevido, a vida corria suave, inebriada pelos primeiros raios da quente manhã solarenga. As criaturas vivas viviam. Os minerais mineravam. Os vegetais vegetavam. Seria vida a deles?
Estava a formiga posta em seu recato, cuidando seus cabelinhos com uma escovinha muito pequenina, leda, sua voz manselinha cantando uma ode ao pé de atleta. Nisto, como que num impulso irreprimível, começou a escrever uma carta para a secção de "cartas ao leitor" do jornal lá da terra que dizia, mais ou menos, isto:
"Sinto-me muito mal. Um formigo que conheço desde pequena anda a assediar-me sexualmente. Se me recuso a satisfazer-lhe os caprichos ele bater-me-á, estou certa. Já o fazia quando estávamos na escola e lhe não dava uma fatia do meu Bolicau. Se aceder aos seus avanços posso acabar numa clínica de aborto espanhola, e, se a coisa se descobre, serei, ah estou disso certa!, coberta de vergonha e vilipendiada pela direita reaccionária e revanchista que luta pelo "Não" e que, no fundo, nunca perdoou às classes trabalhadoras os privilégios perdidos com o 25 de Abril. Que fazer? "
Na edição seguinte do referido jornal, a formiguinha verifica espantada que uma leitora lhe respondeu. Era a cegonha. Que lhe disse, sucintamente, o seguinte:
"Querida amiga. Segue os teus instintos. Se o assédio te agrada, bem no fundo do teu ser, visto que afinal não passas de uma formiguinha perversa e inconstante, consente nos avanços do formigo. Se, pelo contrário, o formigo nada representa para ti, nem a possibilidade do prazer que podes retirar desse devaneio sexual que nada tem de pecaminoso, dá-lhe um pontapé nos tomatinhos. Os formigos têm uns tomatinhos muito pequeninos. Mas, a verdade é que as formigas também têm uns pézinhos muito pequeninos. Vocês estão bem uns para os outros!"
Perturbada, a formiga engoliu cem embalagens inteiras de Vallium 100 e morreu pouco tempo depois.
Moral da história: sem cegonhas, a vida das formigas estaria muito mais facilitada.
O que fica por explicar, contudo, é como foi a formiguinha capaz de engolir cem embalagens de Vallium...

Sem comentários: