Tome um Vallium antes de ler...

2006/06/21

E torci-lhe o pescoço!

Um conto de Amélia Rey Colaço

Atenção gentis damas e encorpados cavalheiros. E também pela ordem inversa. Ouçam-me só isto!
Ela— “Nem que me torças o pescoço eu te digo mais o que quer que seja!” [...]
Disse-me ela aos gritos. Claro, que lhe torci o pescoço. Lentamente. O mais que pude. Torcido, torcidinho [...]! Os vizinhos alertados pela algazarra acudiram-na, mas já não conseguiram evitar o inevitável: o pescoço já estava apertado e pronto. Ela já não era.
“Parece impossível”, diziam uns. “Malandro”, diziam outros. Outros cuspiam-me (NR- cf. “S. Bartolomeu de Messines-a reflexão necessária” noutro post abaixo). Outros, ainda, escarravam para o chão [...]. Outros, finalmente, tiravam macacos do nariz. Ataram-me ao poste da electricidade. Descobriram-me a careca. Dilataram-me as pupilas. Roeram-me os ossos. Tentaram queimar-me vivo. Atiraram-me, calculem!, a primeira pedra!
Outros, mais além, gritavam palavras de ordem [...]. De ordem e de progresso. Mas, sobretudo, de despeito. De despeito sim! De despeito porque toooooodddooooosssss eles quereriam ter tido a minha coragem. Toooooodddddoooooossss eles tinham querido amandar as tenazes ao pescoço de alguém até espichar!
Os vizinhos desataram a correr atrás de mim. Eu tentei também correr atrás deles. Corremos todos atrás uns dos outros. Durante algum tempo foi uma confusão. Em vão. Pelo meu lado, saí pela tangente e pus-me em fuga, deseperado [...] Com os vizinhos a quererem-me limpar o sarampo, só restava pôr-me a milhas. Uma espécie de acção de despejo para dentro (*).
Corri dali para fora e mantive-me a correr durante uma boa dúzia de horas [...] eu que nem corria para [...] apanhar o autocarro. Em toda a minha vida, perdi já não sei quantos autocarros por não ter pachorra para correr atrás deles. Fiquei, assim, como podem imaginar, com os bofes a saltar pela boca. Saltaram-me todos. Tentei apanhá-los. Fugiram. Desapareceram. Alguns voltaram. A minha tristeza por não mais poder ver os outros bofes era imensa. Tentei manter-me informado sobre o seu paradeiro. Liguei o satélite. Brrrumm, bruuummmmm ! Não pegava.
Mas, voltemos à cena do apertar do pescoço [...]
Ela— “Pensas que és o quê?”
Ele— “Ó filha tá calada...”
Ela— “ Ó mãe qu’ele quer-me bater!!” [...]
(Eu que até nem queria. )
Ela— “Tás-me a fazer passar por parva”, gritava ela.
(Eu qu’até nem ‘tava. [...])
Ela— “Pensas qu’isto é atar e pôr ao fumeiro?!!”
(Eu qu’até nem pensava nada disso! Eu que nem sei atar sózinho os atacadores dos sapatos [...] quanto mais atar e pôr ao fumeiro tudo de uma só vez! Eu que até detesto fumo!!!)
Ela— “Tu tens mas é a cevada a picar-te na barriga!”, continuava ela [...]
(Eu qu’até nem tinha cevada nenhuma a picar-me em lado nenhum. Muito menos na barriga! Eu qu’até julgo que a cevada nem tem picos. Eu qu’até não tenho barriga!! Eu que até sou muito elegante...)
Ela— “Tens a mania que todos se têm de pôr de cócoras perante ti! Todos te têm de prestar vassalagem.”
(Eu que, aqui para nós, até acho que o Clinton não agiu bem. Eu qu’até nem queria vassalagem porque estava cheio do almoço. Eu que até achava que vassalagem não era a comida que se desse, nem sequer aos porcos. Pacientemente, comecei a ficar irritado...)
Ela— “Eu te digo o qu’é qu’eu acho do que tu pensas e mais da cáfila de porcos, pedófilos nojentos que andam contigo metidos nessas coisas!”
(Esperei qu’ela dissesse quem é qu’era a cáfila de porcos, pedófilos nojentos que andavam metidos nessas coisas comigo. E em que coisas é que eu e essa cáfila andávamos metidos.)
Ela—“Pois eu te digo [...] qu’esses com quem tu andas agora, todos muito amiguinhos, há uns meses não tinham aonde cair mortos!”
(Era verdade: há uns meses um amigo meu, estava para morrer e andou, pelo menos, dez quilómetros até achar um sítio onde pudesse cair. Parecia impossível. E ele que não queria morrer, assim, de qualquer maneira. Um desespero. Todos nós, os seus amigos mais íntimos, o comentámos na altura. Neste ponto era verdade.)
Ela—“Pois, pois!” pisava ela, “Continua a gritar comigo que eu cá estou para te ouvir!”
(E eu que nunca grito. Eu qu’até aí não tinha dito uma palavra. )
Ela— “Pois, não digas uma palavra e ignora-me qu’eu até sou invisível, não é?! Não passo de um trapo, para ti, não é?!! Para ti sou um verbo de encher! Não é?!!!”
(E eu a encher!!)
Ela—“Já estou mas é cheia de ti! Já não aguento mais!!!!!”
(Gritava ela já completamente histérica. E eu encolhia os ombros, a encher...)
Foi nessa altura que me passou uma nuvem pela vista. Atirei-me ao pescoço dela e, tumba!, apertei-o com toda a força!!!!
O telemóvel da Mariline tocava. A Mariline não respondia. Eu gritava: “Atende-me essa [...] senão vou aí e rebento com tudo isso!” A Rita manteve-se em todo este processo muito discreta. O telemóvel desligou-se.
Não sei porquê. Ninguém sabe porquê. Até ontem ninguém tinha encontrado resposta. Por favor, continuem ligados que eu assim que souber mais alguma coisa, digo.

2 comentários:

Miguel Bombardino disse...

Ai cabrão que me torceste o pecoço!!! Mas pelo menos foram-se as dores nas costas.

M.B.

inkisitor disse...

Valha-nos esse efeito medicinal!!!!