Um conto de Amélia Rey Colaço
Atenção gentis damas e encorpados cavalheiros. E também pela ordem inversa. Ouçam-me só isto!
Ela— “Nem que me torças o pescoço eu te digo mais o que quer que seja!” [...]
Disse-me ela aos gritos. Claro, que lhe torci o pescoço. Lentamente. O mais que pude. Torcido, torcidinho [...]! Os vizinhos alertados pela algazarra acudiram-na, mas já não conseguiram evitar o inevitável: o pescoço já estava apertado e pronto. Ela já não era.
“Parece impossível”, diziam uns. “Malandro”, diziam outros. Outros cuspiam-me (NR- cf. “S. Bartolomeu de Messines-a reflexão necessária” noutro post abaixo). Outros, ainda, escarravam para o chão [...]. Outros, finalmente, tiravam macacos do nariz. Ataram-me ao poste da electricidade. Descobriram-me a careca. Dilataram-me as pupilas. Roeram-me os ossos. Tentaram queimar-me vivo. Atiraram-me, calculem!, a primeira pedra!
Outros, mais além, gritavam palavras de ordem [...]. De ordem e de progresso. Mas, sobretudo, de despeito. De despeito sim! De despeito porque toooooodddooooosssss eles quereriam ter tido a minha coragem. Toooooodddddoooooossss eles tinham querido amandar as tenazes ao pescoço de alguém até espichar!
Os vizinhos desataram a correr atrás de mim. Eu tentei também correr atrás deles. Corremos todos atrás uns dos outros. Durante algum tempo foi uma confusão. Em vão. Pelo meu lado, saí pela tangente e pus-me em fuga, deseperado [...] Com os vizinhos a quererem-me limpar o sarampo, só restava pôr-me a milhas. Uma espécie de acção de despejo para dentro (*).
Corri dali para fora e mantive-me a correr durante uma boa dúzia de horas [...] eu que nem corria para [...] apanhar o autocarro. Em toda a minha vida, perdi já não sei quantos autocarros por não ter pachorra para correr atrás deles. Fiquei, assim, como podem imaginar, com os bofes a saltar pela boca. Saltaram-me todos. Tentei apanhá-los. Fugiram. Desapareceram. Alguns voltaram. A minha tristeza por não mais poder ver os outros bofes era imensa. Tentei manter-me informado sobre o seu paradeiro. Liguei o satélite. Brrrumm, bruuummmmm ! Não pegava.
Mas, voltemos à cena do apertar do pescoço [...]
Ela— “Pensas que és o quê?”
Ele— “Ó filha tá calada...”
Ela— “ Ó mãe qu’ele quer-me bater!!” [...]
(Eu que até nem queria. )
Ela— “Tás-me a fazer passar por parva”, gritava ela.
(Eu qu’até nem ‘tava. [...])
Ela— “Pensas qu’isto é atar e pôr ao fumeiro?!!”
(Eu qu’até nem pensava nada disso! Eu que nem sei atar sózinho os atacadores dos sapatos [...] quanto mais atar e pôr ao fumeiro tudo de uma só vez! Eu que até detesto fumo!!!)
Ela— “Tu tens mas é a cevada a picar-te na barriga!”, continuava ela [...]
(Eu qu’até nem tinha cevada nenhuma a picar-me em lado nenhum. Muito menos na barriga! Eu qu’até julgo que a cevada nem tem picos. Eu qu’até não tenho barriga!! Eu que até sou muito elegante...)
Ela— “Tens a mania que todos se têm de pôr de cócoras perante ti! Todos te têm de prestar vassalagem.”
(Eu que, aqui para nós, até acho que o Clinton não agiu bem. Eu qu’até nem queria vassalagem porque estava cheio do almoço. Eu que até achava que vassalagem não era a comida que se desse, nem sequer aos porcos. Pacientemente, comecei a ficar irritado...)
Ela— “Eu te digo o qu’é qu’eu acho do que tu pensas e mais da cáfila de porcos, pedófilos nojentos que andam contigo metidos nessas coisas!”
(Esperei qu’ela dissesse quem é qu’era a cáfila de porcos, pedófilos nojentos que andavam metidos nessas coisas comigo. E em que coisas é que eu e essa cáfila andávamos metidos.)
Ela—“Pois eu te digo [...] qu’esses com quem tu andas agora, todos muito amiguinhos, há uns meses não tinham aonde cair mortos!”
(Era verdade: há uns meses um amigo meu, estava para morrer e andou, pelo menos, dez quilómetros até achar um sítio onde pudesse cair. Parecia impossível. E ele que não queria morrer, assim, de qualquer maneira. Um desespero. Todos nós, os seus amigos mais íntimos, o comentámos na altura. Neste ponto era verdade.)
Ela—“Pois, pois!” pisava ela, “Continua a gritar comigo que eu cá estou para te ouvir!”
(E eu que nunca grito. Eu qu’até aí não tinha dito uma palavra. )
Ela— “Pois, não digas uma palavra e ignora-me qu’eu até sou invisível, não é?! Não passo de um trapo, para ti, não é?!! Para ti sou um verbo de encher! Não é?!!!”
(E eu a encher!!)
Ela—“Já estou mas é cheia de ti! Já não aguento mais!!!!!”
(Gritava ela já completamente histérica. E eu encolhia os ombros, a encher...)
Foi nessa altura que me passou uma nuvem pela vista. Atirei-me ao pescoço dela e, tumba!, apertei-o com toda a força!!!!
O telemóvel da Mariline tocava. A Mariline não respondia. Eu gritava: “Atende-me essa [...] senão vou aí e rebento com tudo isso!” A Rita manteve-se em todo este processo muito discreta. O telemóvel desligou-se.
Não sei porquê. Ninguém sabe porquê. Até ontem ninguém tinha encontrado resposta. Por favor, continuem ligados que eu assim que souber mais alguma coisa, digo.
Tome um Vallium antes de ler...
2006/06/21
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2 comentários:
Ai cabrão que me torceste o pecoço!!! Mas pelo menos foram-se as dores nas costas.
M.B.
Valha-nos esse efeito medicinal!!!!
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